terça-feira, 12 de julho de 2011

Lição ou lixão


 Saudade dos primeiros anos escolares,  amava  fazer  lição  de  casa.
A  professora,  dona  Iná, preenchia  a  primeira  linha  da  página  com  sua  linda  caligrafia  e a gente  tinha  que  completar. Lembro-me que forçava tanto o lápis grafite, que  marcava  as   próximas quatro  folhas do  caderno  de  brochura.  Não raras  vezes,  eram os  alunos  que  pediam  pela  lição  de casa. Havia  um  quê  de  desafio  em  tudo  aquilo.

E  quando  eram  continhas  então?  Eu  adorava, queria  sempre  mais. E quando  acaba  a  lição  era  meu  pai  que  passava  folhas  e  folhas,  e  também  depois corrigia.
Os  trabalhos  eram  pesquisados  na enciclopédia Barsa,  manuscritos  e  ilustrados  com  o  maior  capricho.
Melhor  quando precisava  fazer cartazes,  aí  era  uma  farra, deixava  minha  tia  Neima  doida,  ela  que me ajudava,  e com  o  maior  entusiasmo  usávamos  toda  sorte  de  recursos, cartolina, canetinha, lápis de cor, lantejoulas, guache, algodão, estrelinhas...

Alguns anos se  passaram  e  era vez  dos meus  filhos fazerem  a lição  de  casa,  porém  o  sentimento  era  outro. Tudo  parecia  aborrecido,  e se pudessem  nem faziam.
Gradativamente  estabelecemos  uma  rotina  de estudos, foram  desenvolvendo responsabilidade e  autonomia, e no meio  do  ensino  fundamental  já se viravam  sozinhos.

Na minha época  tinha  só  uma  professora  até  a  quarta  série,  ela dava quase  todas  as  matérias,  e  as  aulas  tinham  um  tempo  flexível,  ela  que determinava. Os  assuntos  eram  tratados  com  maior  profundidade e  havia troca  de experiências  entre  a  turma. A  lição  de casa  ficava  em segundo  plano, a  professora  trabalhava em  sala  e  se  o  assunto  fosse  realmente  necessário, pedia  uma  pesquisa.
Não lembro  de  exercícios  repetidos  e  chatos  para  completar,  ou  acúmulo  de  lições  de  casa.

Já no tempo  dos  meus  filhos, desde  a  primeira  série  tinham cinco  professoras,  que davam duas disciplinas cada (matemática e ciência, inglês e português, geografia e informática, educação física, religião),  o  tempo das  aulas  era  corrido  e  as  lições  de casa  volumosas.
Quase  tudo  que  era  visto  em  sala  era  repetido  nas  lições  de casa, o  que  chamavam  de  fixação.
O  sistema  era  apostilado, o  que  confundia na  marcação  das  lições para  casa, fora as  de classe  que se  ficassem  incompletas  tinha  que  terminar  em casa.

Excesso de  informação,  pouca  aprendizagem  e  muito  desânimo,  esse era  o  cenário  que  vislumbrava.
Então  comecei  a questionar  os  professores  a  respeito  da  sobrecarga  de  lições,  que  as  vezes  tomavam  quase  todo  tempo  em  casa  e  eles  ficavam  irritados por  não  poderem  brincar  um  pouco  antes  de  ir  pra  escola.

O que  era  de  se esperar,  os  professores  disseram  que  era asim  mesmo, tinha  muito  conteúdo  e a  apostila  já  vinha  marcada  com  a  lição de casa, portanto não  eram  os  responsáveis.
Falei  com  a  coordenação   e  disse-me  que  foram  os  professores  que  escolheram  o  material  didático, e  aí  percebi  que  um  jogava  a responsabilidade  para  o  outro  e  não  adiantaria  nada continuar  naquele  assunto.
Conversando  com  outras  mães, as  que  trabalhavam  fora,  achavam  ótimo  bastante  lição,  assim  os filhos  se  manteriam  ocupados e disciplinados;  as que  ficavam  em  casa  achavam  ótimo  muita  lição,  sinal  que a escola  era muito  boa.
O   jeito  foi  aguentar  até  o  final  do  ano  e  mudá-los  de  escola,  agora  sim verificando  o  material  pedagógico  e  como  eram  as  lições  de  casa.

Uma  boa  escola  não  se  mede  pela  quantidade  de  lição  que  dá  aos  alunos e sim  pelo  envolvimento  deles  com  os  assuntos,  seu  entusiasmo  pelas  descobertas, o  ganho  gradativo  da  autonomia, responsabilidade pelas  atividades  feitas  em  casa  e  fundamentamente  sua vontade  de  ir para  escola. E  ainda  o  aluno precisa sentir que está sendo desafiado em sua aprendizagem.
As  primeiras  apostilas  dos  meus  filhos  serviram  para  reciclagem,  pouco lhes  acrescentaram  e com  certeza  se  persistisse  naquela  escola, hoje  não  teria  jovens  que  curtem  aprender,  são  leitores por  prazer,  curiosos  nas  descobertas  e  responsáveis  em  seus  trabalhos.
Veja  bem  se  seu  filho  trás  lição para  casa  ou  lixão  "para reciclagem", se  não  houver prazer não  há  aprender.

Essa  minha  expeiência  de  vida  me  reportou  a  Içami  Tiba, "Aprendi através da experiência amarga a suprema lição: controlar minha ira e torná-la como o calor que é convertido em energia. Nossa ira controlada pode ser convertida numa força capaz de mover o mundo."

Magda  Cunha

*Pedagoga, Psicopedagoga, Especialista em prendizagem,
  consultora na rede pública e particular de ensino.
mailto:ensino.mag-helen.maravilha@gmail.com | http://www.promaravilha.blogspot.com/

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