No ano de 2010 assumi uma sala de quinto ano, no segundo trimestre, e vivi uma situação singular, a ponto de em poucos dias renuncia-la.
Foram três dias de seleção, com dinâmica, prova escrita e entrevista. Durante o processo conheci algumas professoras e fomos avaliando aqueles que nos avaliavam.
Observamos que existe um modismo na forma de seleção, que já tornou-se padrão, e que infelizmente não colabora muito para definir realmente as competências e habilidades dos candidatos.
Mas mesmo assim resolvemos ir até o final, eram cinco vagas para trinta concorrentes e fui uma das selecionadas.
Ao assumir, a direção e coordenação explicaram que estavam apostando todas as fichas em mim, que seria a salvação daquela turma, era o sol no horizonte para elas, então situaram-me em relação a turma e imediatamente fiquei preocupada.
Eles estavam juntos desde o maternal, muitos em período integral e tinham uma cumplicidade grande, eram indomáveis, tinham o controle nas aulas, faziam o que queriam, estavam com baixo rendimento e necessitando de uma mão dura, alguém que os enfrentasse, revertesse a situação, colocasse ordem na sala.
De antemão coloquei minha forma de trabalhar, sondaria as expectativas deles, sua responsabilidade na aprendizagem, como gostariam de aprender, o que os incomodava durante as aulas, construia com eles os limites/regras, combinaríamos uma rotina, dividiria a turma em oito grupos e estabeleceria metas para alcançar, sendo que os grupos deveriam cooperar entre si, pois as metas eram do conjunto.
A coordenação ficou animada e até sugeriu que combinasse um passeio se eles melhorassem o rendimento no próximo trimestre.
Então agora era só mãos a obra. Iniciei numa terça-feira.
A professora que sairia de licença ficou três dias comigo e falou-me da situação difícil da turma.
Nesses três dias vi de tudo, aluno pulando sobre as carteiras, brigando, jogando estojos nos outros e pro alto, fugindo pro corredor, rasgando livros, quebrando lápis, empurrando, dando rasteira e a professora gritando, dando sermões, se escabelando, discutindo, tratando os alunos com indiferença e impaciência.
A sugestão dela era ser firme, encarar de peito, impor respeito, ser dura e muito autoritária.
Voltei à coordenação, falei o que observára e que não era meu perfil ser autoritária e sim exercer a autoridade, que os alunos estavam viciados naquela atitude e da dificuldade em executar meu planejamento sem alguma ajuda.
Retornei do final de semana e a coordenadora me ofereceu uma auxiliar, pois tinha muita prova para ser refeita e livros sem correção.
Tentei sem sucesso conversar com eles, me davam as costas e ficavam jogando baralho, joguinhos no celular ou conversando em rodinha.
A auxiliar deu uns berros e então consegui dar início ao meu planejamento. Conversei meia hora e logo veio aula com outro professor, intervalo e recomecei tudo denovo, sem sucesso.
Voltei pra casa com a cabeça explodindo, muito barulho e pouco resultado.
Assim foram mais quatro dias, sensação de perda de tempo e frustração.
Iniciei a semana e conversei com a coordenação, tinha avançado pouco e pensava em fazer uma reunião com os pais para entender como lidavam com os filhos em casa e combinar estratégias para melhorarem o comportamento. Também enviaria para coordenação os alunos que tivesem comportamento impróprio para levarem uma advertência.
Pediu-me até o final do dia para uma resposta.
Decidiram então que era melhor não incomodar os pais, pois afinal eles chegavam cansados do trabalho e era função da escola resolver assuntos disciplinares e que poderia enviar os alunos que achasse necessário para coordenação, não para tomarem advertência, e sim para conversarem.
Retornei dia seguinte, pedi para auxiliar passar uma atividade na lousa e fiquei corrigindo provas e os trabalhos de reposição de nota.
Percebi que com dois berros e ameaças de mandar para direção eles ficaram sentados e até participaram da atividade.
Não tive dúvida, levantei e fui até a sala da direção, expliquei que a professora que procuravam estava dentro da escola há quatro anos, e aquela turma funcionava muito bem com ela.
Comentei que ela era bem alta e forte, com voz estridente e impunha respeito, e eu além de tudo era menor que eles.
A diretora argumentou que a auxiliar não estava formada em pedagogia e não podia assumir.
Então retruquei que era uma pena, porque era autoritária e funcionava, e eu infelizmente não iria faze-lo igual.
Até o final da semana a direção pensou e concordou comigo, agradeceram minha franqueza e me liberaram.
Durante dias fiquei pensando em tudo que vivera, na seleção, no perfil da turma, na atitude da escola, no meu desempenho e no desfecho.
Me aborrecia o fato de não ter domado aquela turma, assim tive uma clareza sobre os fatos.
Então pontuei, primeiro domar não é coisa para uma sala de aula, pois lá não estão animais irracionais.
Segundo, os alunos assim estavam por falta de atitude dos pais e escola.
Terceiro, o comportamento deles é reflexo de uma educação desconexa, descontextualizada, sucateada e perigosa.
Quarto, esses perfis sem limite é que saem pondo fogo em indigentes e coisas similares.
Quinto, minha formação valoriza a transformação de atitude pelo auto-conhecimento, pela auto-regulação pessoal, pelo empenho e responsabilidade para atingir um resultado satisfatório.
Sexto, acredito na construção da educação com parceria familiar, sem o qual é inviável a caminhada.
E por último a relação com meus alunos sempre será de autoridade, pois o afeto permeia minha prática e o respeito mútuo fortalece a aprendizagem.
Amo o que faço e faço por que acredito, tanto que não sei, nem quero um fazer diferente.
Teoria comportamental
Lembrei-me de Watson e Skinner, que através de estímulos, reações e hábitos, obtinham a aprendizagem com ratos em laboratórios.
Uma escola que estimula errado, tem reações contrárias, hábitos incorretos e a aprendizagem é errada.
Infelizmente quando tratamos crianças como cobaias esse resultado é obtido.
Essa teoria está obsoleta para aprendizagem, mas serviu para explicar como essa turma chegou nesse estágio, uma verdadeira pena!
Magda Cunha
*Pedagoga, Psicopedagoga, Especialista em prendizagem, consultora na rede pública e particular de ensino. mailto:ensino.mag-helen.maravilha@gmail.com | http://www.promaravilha.blogspot.com/ |
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