Algumas vezes deparamo-nos com a necessidade de redigirmos artigos ou textos afins. Aqui ficam valiosas dicas de como utilizar as palavras e obter o efeito desejado.
Boa leitura.
Magda Cunha
Fonte Nexo
https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
“O
segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas com seus
componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função, toda
palavra longa que poderia ser
substituída por uma palavra curta, todo advérbio que contenha o mesmo
significado que está contido no verbo, toda construção em voz passiva
que deixe o leitor inseguro a respeito de quem está fazendo o quê –
todos esses são elementos adulterantes que enfraquecem uma frase”. Leia,
na reportagem do Nexo Jornal, trecho do livro do jornalista americano
William Zinsser, que indica as melhores soluções para elaborar um texto
claro e sem exageros: https://goo.gl/BNi3JE
O
‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William Zinsser.
Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual indica as
melhores…
nexojornal.com.br
Trechos
‘Como escrever bem’: manual de escrita jornalística e de não ficção
William Zinsser
25 Mai 2017
O ‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William
Zinsser. Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual
indica as melhores soluções para elaborar um texto claro e sem exageros
Simplicidade
O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por
palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e
jargões sem nenhum sentido.
Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano
no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma
carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais
recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um
plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus
custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para
uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa
tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto
de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de
turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações
nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é
simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…
Porém, o segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas
com seus componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função,
toda palavra longa que poderia ser substituída por uma palavra curta,
todo advérbio que contenha o mesmo significado que está contido no
verbo, toda construção em voz passiva que deixe o leitor inseguro a
respeito de quem está fazendo o quê - todos esses são elementos
adulterantes que enfraquecem uma frase. E eles costumam aparecer
proporcionalmente à formação e à posição social de quem escreve.
Nos anos 1960, o reitor da minha universidade escreveu uma carta para
tentar acalmar os ex-alunos após uma temporada de muita agitação no
campus. “Vocês estão provavelmente a par”, começou ele, “de que acabamos
de experimentar uma situação potencialmente bastante explosiva de
expressões de insatisfação sobre questões apenas parcialmente
relacionadas entre si”. Ele queria dizer que os estudantes vinham
azucrinando a direção por causa de diversas questões. Eu me senti bem
mais incomodado pelo linguajar do reitor do que pelas potencialmente
explosivas expressões de insatisfação dos estudantes. Teria preferido a
abordagem adotada pelo presidente Franklin D. Roosevelt quando tentava
traduzir comunicados de seu próprio governo, como este decreto sobre um
blecaute, de 1942:
Esses preparativos devem ser executados de modo a deixar totalmente
escuros todos e quaisquer edifícios do governo federal ou edifícios não
governamentais ocupados pelo governo federal durante um ataque aéreo,
por tempo indeterminado, retirando a visibilidade causada por iluminação
interna ou externa.
“Fale para eles”, disse Roosevelt, “que nos prédios onde for preciso
continuar trabalhando [durante um ataque aéreo] se deve então colocar
alguma coisa para tapar as janelas”.
Simplifique, simplifique. Thoreau disse isso, como se costuma relembrar
tão frequentemente, e nenhum outro autor americano praticou de forma tão
consistente aquilo que pregava. Abra qualquer página de “Walden” e você
encontrará um homem contando o que passa pela sua mente de forma clara e
ordenada:
Mudei-me para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar
apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que
ela tinha a ensinar, em vez de, já próximo da morte, descobrir que eu
não tinha vivido.
Como conseguir se libertar, de uma forma tão invejável como essa, de
todo excesso? A resposta está em limpar nossa cabeça de todo excesso.
Pensamento limpo significa texto limpo; um não pode existir sem o outro.
É impossível que um pensador obscuro escreva em bom vernáculo. Ele pode
conseguir sustentar o texto por um ou dois parágrafos, mas o leitor
logo se sentirá perdido, e não há pecado mais grave do que esse, pois o
leitor dificilmente se deixa enganar mais de uma vez.
Quem é o leitor, essa criatura tão esquiva? O leitor é uma pessoa que
dispõe de cerca de trinta segundos de atenção - uma pessoa assediada por
inúmeras forças que competem entre si por atenção. Houve um tempo em
que essas forças eram relativamente poucas: jornais, revistas, rádio,
esposa, filhos, animais domésticos. Hoje em dia, a elas se soma toda uma
galáxias de equipamentos eletrônicos destinados a entretenimento e
informação - a televisão, os celulares, os tablets, os iPods - , além
dos exercícios da academia de ginástica, da piscina, da quadra de
esportes e do mais poderoso de todos os concorrentes: o sono. O homem ou
a mulher que cochila em uma poltrona com um livro ou uma revista nas
mãos é uma pessoa a quem o escritor dedicou inutilmente suas
preocupações.
Isso não quer dizer que o leitor seja limitado demais ou preguiçoso
demais para acompanhar o fluxo dos pensamentos. Quando o leitor se
perde, em geral é porque o escritor não foi suficientemente cuidadoso.
Esse cuidado pode adquirir diversas formas. Talvez o texto seja tão
excessivo que o leitor, tendo de abrir caminho em meio à verborragia,
simplesmente não capte o que ele significa. Talvez a frase tenha sido
tão mal construída que o leitor pode lê-la de várias maneiras. Talvez o
autor tenha mudado de pronome no meio da frase, ou tenha mudado de tempo
verbal, e o leitor simplesmente tenha perdido a pista de quem está
falando ou de quando a ação se deu. Talvez a frase B não seja uma
sequência natural da frase A; o autor, em cuja mente a conexão está
clara, não se importou em fornecer o elo. Talvez o escritor tenha usado
uma palavra de forma incorreta, sem se preocupar em consultar o
dicionário.
Diante de tais obstáculos, os leitores são, de início, persistentes.
Recriminam-se - obviamente eles é que perderam alguma coisa, e então
voltam a ler a frase desconcertante, ou o parágrafo inteiro,
desmontando-o como uma escrita ancestral, tentando adivinhar coisas para
seguir adiante. Mas eles não conseguem fazer isso por muito tempo. O
autor, nesse caso, está fazendo com que trabalhem demais, e eles
acabarão procurando alguém que seja melhor no ofício.
Os escritores, assim, devem sempre perguntar: o que estou tentando
dizer? Surpreendentemente, muitas vezes nem mesmo eles sabem a resposta.
Nesse caso, devem rever o que escreveram e perguntar: eu disse isso?
Isso está claro para quem depara com esse tema pela primeira vez? Se não
está, é porque alguma felpa se introduziu no meio da engrenagem. O
escritor claro é uma pessoa de mente clara o bastante para enxergar a
coisa tal como ela é: uma felpa.
William Zinsser (1922-2015), escritor e professor, colaborou com as
principais publicações dos Estados Unidos e deu aulas nas universidades
Yale, Columbia e New School. Publicou, entre outros, “Writing About Your
Life” (2005) e “Easy to Remember: The Great American Songwriters and
Their Songs” (2006).
COMO ESCREVER BEM
William Zinsser
Tradução de Bernardo Ajzenberg
Editora Três Estrelas
280 páginas
Lançamento em maio
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Trechos
‘Como escrever bem’: manual de escrita jornalística e de não ficção
William Zinsser
25 Mai 2017
O ‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William
Zinsser. Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual
indica as melhores soluções para elaborar um texto claro e sem exageros
Simplicidade
O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por
palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e
jargões sem nenhum sentido.
Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano
no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma
carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais
recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um
plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus
custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para
uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa
tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto
de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de
turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações
nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é
simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…
Porém, o segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas
com seus componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função,
toda palavra longa que poderia ser substituída por uma palavra curta,
todo advérbio que contenha o mesmo significado que está contido no
verbo, toda construção em voz passiva que deixe o leitor inseguro a
respeito de quem está fazendo o quê - todos esses são elementos
adulterantes que enfraquecem uma frase. E eles costumam aparecer
proporcionalmente à formação e à posição social de quem escreve.
Nos anos 1960, o reitor da minha universidade escreveu uma carta para
tentar acalmar os ex-alunos após uma temporada de muita agitação no
campus. “Vocês estão provavelmente a par”, começou ele, “de que acabamos
de experimentar uma situação potencialmente bastante explosiva de
expressões de insatisfação sobre questões apenas parcialmente
relacionadas entre si”. Ele queria dizer que os estudantes vinham
azucrinando a direção por causa de diversas questões. Eu me senti bem
mais incomodado pelo linguajar do reitor do que pelas potencialmente
explosivas expressões de insatisfação dos estudantes. Teria preferido a
abordagem adotada pelo presidente Franklin D. Roosevelt quando tentava
traduzir comunicados de seu próprio governo, como este decreto sobre um
blecaute, de 1942:
Esses preparativos devem ser executados de modo a deixar totalmente
escuros todos e quaisquer edifícios do governo federal ou edifícios não
governamentais ocupados pelo governo federal durante um ataque aéreo,
por tempo indeterminado, retirando a visibilidade causada por iluminação
interna ou externa.
“Fale para eles”, disse Roosevelt, “que nos prédios onde for preciso
continuar trabalhando [durante um ataque aéreo] se deve então colocar
alguma coisa para tapar as janelas”.
Simplifique, simplifique. Thoreau disse isso, como se costuma relembrar
tão frequentemente, e nenhum outro autor americano praticou de forma tão
consistente aquilo que pregava. Abra qualquer página de “Walden” e você
encontrará um homem contando o que passa pela sua mente de forma clara e
ordenada:
Mudei-me para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar
apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que
ela tinha a ensinar, em vez de, já próximo da morte, descobrir que eu
não tinha vivido.
Como conseguir se libertar, de uma forma tão invejável como essa, de
todo excesso? A resposta está em limpar nossa cabeça de todo excesso.
Pensamento limpo significa texto limpo; um não pode existir sem o outro.
É impossível que um pensador obscuro escreva em bom vernáculo. Ele pode
conseguir sustentar o texto por um ou dois parágrafos, mas o leitor
logo se sentirá perdido, e não há pecado mais grave do que esse, pois o
leitor dificilmente se deixa enganar mais de uma vez.
Quem é o leitor, essa criatura tão esquiva? O leitor é uma pessoa que
dispõe de cerca de trinta segundos de atenção - uma pessoa assediada por
inúmeras forças que competem entre si por atenção. Houve um tempo em
que essas forças eram relativamente poucas: jornais, revistas, rádio,
esposa, filhos, animais domésticos. Hoje em dia, a elas se soma toda uma
galáxias de equipamentos eletrônicos destinados a entretenimento e
informação - a televisão, os celulares, os tablets, os iPods - , além
dos exercícios da academia de ginástica, da piscina, da quadra de
esportes e do mais poderoso de todos os concorrentes: o sono. O homem ou
a mulher que cochila em uma poltrona com um livro ou uma revista nas
mãos é uma pessoa a quem o escritor dedicou inutilmente suas
preocupações.
Isso não quer dizer que o leitor seja limitado demais ou preguiçoso
demais para acompanhar o fluxo dos pensamentos. Quando o leitor se
perde, em geral é porque o escritor não foi suficientemente cuidadoso.
Esse cuidado pode adquirir diversas formas. Talvez o texto seja tão
excessivo que o leitor, tendo de abrir caminho em meio à verborragia,
simplesmente não capte o que ele significa. Talvez a frase tenha sido
tão mal construída que o leitor pode lê-la de várias maneiras. Talvez o
autor tenha mudado de pronome no meio da frase, ou tenha mudado de tempo
verbal, e o leitor simplesmente tenha perdido a pista de quem está
falando ou de quando a ação se deu. Talvez a frase B não seja uma
sequência natural da frase A; o autor, em cuja mente a conexão está
clara, não se importou em fornecer o elo. Talvez o escritor tenha usado
uma palavra de forma incorreta, sem se preocupar em consultar o
dicionário.
Diante de tais obstáculos, os leitores são, de início, persistentes.
Recriminam-se - obviamente eles é que perderam alguma coisa, e então
voltam a ler a frase desconcertante, ou o parágrafo inteiro,
desmontando-o como uma escrita ancestral, tentando adivinhar coisas para
seguir adiante. Mas eles não conseguem fazer isso por muito tempo. O
autor, nesse caso, está fazendo com que trabalhem demais, e eles
acabarão procurando alguém que seja melhor no ofício.
Os escritores, assim, devem sempre perguntar: o que estou tentando
dizer? Surpreendentemente, muitas vezes nem mesmo eles sabem a resposta.
Nesse caso, devem rever o que escreveram e perguntar: eu disse isso?
Isso está claro para quem depara com esse tema pela primeira vez? Se não
está, é porque alguma felpa se introduziu no meio da engrenagem. O
escritor claro é uma pessoa de mente clara o bastante para enxergar a
coisa tal como ela é: uma felpa.
William Zinsser (1922-2015), escritor e professor, colaborou com as
principais publicações dos Estados Unidos e deu aulas nas universidades
Yale, Columbia e New School. Publicou, entre outros, “Writing About Your
Life” (2005) e “Easy to Remember: The Great American Songwriters and
Their Songs” (2006).
COMO ESCREVER BEM
William Zinsser
Tradução de Bernardo Ajzenberg
Editora Três Estrelas
280 páginas
Lançamento em maio
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
William Zinsser
25 Mai 2017
O ‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William
Zinsser. Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual
indica as melhores soluções para elaborar um texto claro e sem exageros
Simplicidade
O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por
palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e
jargões sem nenhum sentido.
Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano
no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma
carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais
recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um
plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus
custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para
uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa
tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto
de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de
turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações
nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é
simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…
Porém, o segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas
com seus componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função,
toda palavra longa que poderia ser substituída por uma palavra curta,
todo advérbio que contenha o mesmo significado que está contido no
verbo, toda construção em voz passiva que deixe o leitor inseguro a
respeito de quem está fazendo o quê - todos esses são elementos
adulterantes que enfraquecem uma frase. E eles costumam aparecer
proporcionalmente à formação e à posição social de quem escreve.
Nos anos 1960, o reitor da minha universidade escreveu uma carta para
tentar acalmar os ex-alunos após uma temporada de muita agitação no
campus. “Vocês estão provavelmente a par”, começou ele, “de que acabamos
de experimentar uma situação potencialmente bastante explosiva de
expressões de insatisfação sobre questões apenas parcialmente
relacionadas entre si”. Ele queria dizer que os estudantes vinham
azucrinando a direção por causa de diversas questões. Eu me senti bem
mais incomodado pelo linguajar do reitor do que pelas potencialmente
explosivas expressões de insatisfação dos estudantes. Teria preferido a
abordagem adotada pelo presidente Franklin D. Roosevelt quando tentava
traduzir comunicados de seu próprio governo, como este decreto sobre um
blecaute, de 1942:
Esses preparativos devem ser executados de modo a deixar totalmente
escuros todos e quaisquer edifícios do governo federal ou edifícios não
governamentais ocupados pelo governo federal durante um ataque aéreo,
por tempo indeterminado, retirando a visibilidade causada por iluminação
interna ou externa.
“Fale para eles”, disse Roosevelt, “que nos prédios onde for preciso
continuar trabalhando [durante um ataque aéreo] se deve então colocar
alguma coisa para tapar as janelas”.
Simplifique, simplifique. Thoreau disse isso, como se costuma relembrar
tão frequentemente, e nenhum outro autor americano praticou de forma tão
consistente aquilo que pregava. Abra qualquer página de “Walden” e você
encontrará um homem contando o que passa pela sua mente de forma clara e
ordenada:
Mudei-me para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar
apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que
ela tinha a ensinar, em vez de, já próximo da morte, descobrir que eu
não tinha vivido.
Como conseguir se libertar, de uma forma tão invejável como essa, de
todo excesso? A resposta está em limpar nossa cabeça de todo excesso.
Pensamento limpo significa texto limpo; um não pode existir sem o outro.
É impossível que um pensador obscuro escreva em bom vernáculo. Ele pode
conseguir sustentar o texto por um ou dois parágrafos, mas o leitor
logo se sentirá perdido, e não há pecado mais grave do que esse, pois o
leitor dificilmente se deixa enganar mais de uma vez.
Quem é o leitor, essa criatura tão esquiva? O leitor é uma pessoa que
dispõe de cerca de trinta segundos de atenção - uma pessoa assediada por
inúmeras forças que competem entre si por atenção. Houve um tempo em
que essas forças eram relativamente poucas: jornais, revistas, rádio,
esposa, filhos, animais domésticos. Hoje em dia, a elas se soma toda uma
galáxias de equipamentos eletrônicos destinados a entretenimento e
informação - a televisão, os celulares, os tablets, os iPods - , além
dos exercícios da academia de ginástica, da piscina, da quadra de
esportes e do mais poderoso de todos os concorrentes: o sono. O homem ou
a mulher que cochila em uma poltrona com um livro ou uma revista nas
mãos é uma pessoa a quem o escritor dedicou inutilmente suas
preocupações.
Isso não quer dizer que o leitor seja limitado demais ou preguiçoso
demais para acompanhar o fluxo dos pensamentos. Quando o leitor se
perde, em geral é porque o escritor não foi suficientemente cuidadoso.
Esse cuidado pode adquirir diversas formas. Talvez o texto seja tão
excessivo que o leitor, tendo de abrir caminho em meio à verborragia,
simplesmente não capte o que ele significa. Talvez a frase tenha sido
tão mal construída que o leitor pode lê-la de várias maneiras. Talvez o
autor tenha mudado de pronome no meio da frase, ou tenha mudado de tempo
verbal, e o leitor simplesmente tenha perdido a pista de quem está
falando ou de quando a ação se deu. Talvez a frase B não seja uma
sequência natural da frase A; o autor, em cuja mente a conexão está
clara, não se importou em fornecer o elo. Talvez o escritor tenha usado
uma palavra de forma incorreta, sem se preocupar em consultar o
dicionário.
Diante de tais obstáculos, os leitores são, de início, persistentes.
Recriminam-se - obviamente eles é que perderam alguma coisa, e então
voltam a ler a frase desconcertante, ou o parágrafo inteiro,
desmontando-o como uma escrita ancestral, tentando adivinhar coisas para
seguir adiante. Mas eles não conseguem fazer isso por muito tempo. O
autor, nesse caso, está fazendo com que trabalhem demais, e eles
acabarão procurando alguém que seja melhor no ofício.
Os escritores, assim, devem sempre perguntar: o que estou tentando
dizer? Surpreendentemente, muitas vezes nem mesmo eles sabem a resposta.
Nesse caso, devem rever o que escreveram e perguntar: eu disse isso?
Isso está claro para quem depara com esse tema pela primeira vez? Se não
está, é porque alguma felpa se introduziu no meio da engrenagem. O
escritor claro é uma pessoa de mente clara o bastante para enxergar a
coisa tal como ela é: uma felpa.
William Zinsser (1922-2015), escritor e professor, colaborou com as
principais publicações dos Estados Unidos e deu aulas nas universidades
Yale, Columbia e New School. Publicou, entre outros, “Writing About Your
Life” (2005) e “Easy to Remember: The Great American Songwriters and
Their Songs” (2006).
COMO ESCREVER BEM
William Zinsser
Tradução de Bernardo Ajzenberg
Editora Três Estrelas
280 páginas
Lançamento em maio
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
William Zinsser
25 Mai 2017
O ‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William
Zinsser. Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual
indica as melhores soluções para elaborar um texto claro e sem exageros
Simplicidade
O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por
palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e
jargões sem nenhum sentido.
Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano
no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma
carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais
recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um
plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus
custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para
uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa
tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto
de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de
turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações
nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é
simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…
Porém, o segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas
com seus componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função,
toda palavra longa que poderia ser substituída por uma palavra curta,
todo advérbio que contenha o mesmo significado que está contido no
verbo, toda construção em voz passiva que deixe o leitor inseguro a
respeito de quem está fazendo o quê - todos esses são elementos
adulterantes que enfraquecem uma frase. E eles costumam aparecer
proporcionalmente à formação e à posição social de quem escreve.
Nos anos 1960, o reitor da minha universidade escreveu uma carta para
tentar acalmar os ex-alunos após uma temporada de muita agitação no
campus. “Vocês estão provavelmente a par”, começou ele, “de que acabamos
de experimentar uma situação potencialmente bastante explosiva de
expressões de insatisfação sobre questões apenas parcialmente
relacionadas entre si”. Ele queria dizer que os estudantes vinham
azucrinando a direção por causa de diversas questões. Eu me senti bem
mais incomodado pelo linguajar do reitor do que pelas potencialmente
explosivas expressões de insatisfação dos estudantes. Teria preferido a
abordagem adotada pelo presidente Franklin D. Roosevelt quando tentava
traduzir comunicados de seu próprio governo, como este decreto sobre um
blecaute, de 1942:
Esses preparativos devem ser executados de modo a deixar totalmente
escuros todos e quaisquer edifícios do governo federal ou edifícios não
governamentais ocupados pelo governo federal durante um ataque aéreo,
por tempo indeterminado, retirando a visibilidade causada por iluminação
interna ou externa.
“Fale para eles”, disse Roosevelt, “que nos prédios onde for preciso
continuar trabalhando [durante um ataque aéreo] se deve então colocar
alguma coisa para tapar as janelas”.
Simplifique, simplifique. Thoreau disse isso, como se costuma relembrar
tão frequentemente, e nenhum outro autor americano praticou de forma tão
consistente aquilo que pregava. Abra qualquer página de “Walden” e você
encontrará um homem contando o que passa pela sua mente de forma clara e
ordenada:
Mudei-me para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar
apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que
ela tinha a ensinar, em vez de, já próximo da morte, descobrir que eu
não tinha vivido.
Como conseguir se libertar, de uma forma tão invejável como essa, de
todo excesso? A resposta está em limpar nossa cabeça de todo excesso.
Pensamento limpo significa texto limpo; um não pode existir sem o outro.
É impossível que um pensador obscuro escreva em bom vernáculo. Ele pode
conseguir sustentar o texto por um ou dois parágrafos, mas o leitor
logo se sentirá perdido, e não há pecado mais grave do que esse, pois o
leitor dificilmente se deixa enganar mais de uma vez.
Quem é o leitor, essa criatura tão esquiva? O leitor é uma pessoa que
dispõe de cerca de trinta segundos de atenção - uma pessoa assediada por
inúmeras forças que competem entre si por atenção. Houve um tempo em
que essas forças eram relativamente poucas: jornais, revistas, rádio,
esposa, filhos, animais domésticos. Hoje em dia, a elas se soma toda uma
galáxias de equipamentos eletrônicos destinados a entretenimento e
informação - a televisão, os celulares, os tablets, os iPods - , além
dos exercícios da academia de ginástica, da piscina, da quadra de
esportes e do mais poderoso de todos os concorrentes: o sono. O homem ou
a mulher que cochila em uma poltrona com um livro ou uma revista nas
mãos é uma pessoa a quem o escritor dedicou inutilmente suas
preocupações.
Isso não quer dizer que o leitor seja limitado demais ou preguiçoso
demais para acompanhar o fluxo dos pensamentos. Quando o leitor se
perde, em geral é porque o escritor não foi suficientemente cuidadoso.
Esse cuidado pode adquirir diversas formas. Talvez o texto seja tão
excessivo que o leitor, tendo de abrir caminho em meio à verborragia,
simplesmente não capte o que ele significa. Talvez a frase tenha sido
tão mal construída que o leitor pode lê-la de várias maneiras. Talvez o
autor tenha mudado de pronome no meio da frase, ou tenha mudado de tempo
verbal, e o leitor simplesmente tenha perdido a pista de quem está
falando ou de quando a ação se deu. Talvez a frase B não seja uma
sequência natural da frase A; o autor, em cuja mente a conexão está
clara, não se importou em fornecer o elo. Talvez o escritor tenha usado
uma palavra de forma incorreta, sem se preocupar em consultar o
dicionário.
Diante de tais obstáculos, os leitores são, de início, persistentes.
Recriminam-se - obviamente eles é que perderam alguma coisa, e então
voltam a ler a frase desconcertante, ou o parágrafo inteiro,
desmontando-o como uma escrita ancestral, tentando adivinhar coisas para
seguir adiante. Mas eles não conseguem fazer isso por muito tempo. O
autor, nesse caso, está fazendo com que trabalhem demais, e eles
acabarão procurando alguém que seja melhor no ofício.
Os escritores, assim, devem sempre perguntar: o que estou tentando
dizer? Surpreendentemente, muitas vezes nem mesmo eles sabem a resposta.
Nesse caso, devem rever o que escreveram e perguntar: eu disse isso?
Isso está claro para quem depara com esse tema pela primeira vez? Se não
está, é porque alguma felpa se introduziu no meio da engrenagem. O
escritor claro é uma pessoa de mente clara o bastante para enxergar a
coisa tal como ela é: uma felpa.
William Zinsser (1922-2015), escritor e professor, colaborou com as
principais publicações dos Estados Unidos e deu aulas nas universidades
Yale, Columbia e New School. Publicou, entre outros, “Writing About Your
Life” (2005) e “Easy to Remember: The Great American Songwriters and
Their Songs” (2006).
COMO ESCREVER BEM
William Zinsser
Tradução de Bernardo Ajzenberg
Editora Três Estrelas
280 páginas
Lançamento em maio
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
William Zinsser
25 Mai 2017
O ‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William
Zinsser. Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual
indica as melhores soluções para elaborar um texto claro e sem exageros
Simplicidade
O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por
palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e
jargões sem nenhum sentido.
Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano
no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma
carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais
recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um
plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus
custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para
uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa
tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto
de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de
turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações
nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é
simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…
Porém, o segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas
com seus componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função,
toda palavra longa que poderia ser substituída por uma palavra curta,
todo advérbio que contenha o mesmo significado que está contido no
verbo, toda construção em voz passiva que deixe o leitor inseguro a
respeito de quem está fazendo o quê - todos esses são elementos
adulterantes que enfraquecem uma frase. E eles costumam aparecer
proporcionalmente à formação e à posição social de quem escreve.
Nos anos 1960, o reitor da minha universidade escreveu uma carta para
tentar acalmar os ex-alunos após uma temporada de muita agitação no
campus. “Vocês estão provavelmente a par”, começou ele, “de que acabamos
de experimentar uma situação potencialmente bastante explosiva de
expressões de insatisfação sobre questões apenas parcialmente
relacionadas entre si”. Ele queria dizer que os estudantes vinham
azucrinando a direção por causa de diversas questões. Eu me senti bem
mais incomodado pelo linguajar do reitor do que pelas potencialmente
explosivas expressões de insatisfação dos estudantes. Teria preferido a
abordagem adotada pelo presidente Franklin D. Roosevelt quando tentava
traduzir comunicados de seu próprio governo, como este decreto sobre um
blecaute, de 1942:
Esses preparativos devem ser executados de modo a deixar totalmente
escuros todos e quaisquer edifícios do governo federal ou edifícios não
governamentais ocupados pelo governo federal durante um ataque aéreo,
por tempo indeterminado, retirando a visibilidade causada por iluminação
interna ou externa.
“Fale para eles”, disse Roosevelt, “que nos prédios onde for preciso
continuar trabalhando [durante um ataque aéreo] se deve então colocar
alguma coisa para tapar as janelas”.
Simplifique, simplifique. Thoreau disse isso, como se costuma relembrar
tão frequentemente, e nenhum outro autor americano praticou de forma tão
consistente aquilo que pregava. Abra qualquer página de “Walden” e você
encontrará um homem contando o que passa pela sua mente de forma clara e
ordenada:
Mudei-me para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar
apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que
ela tinha a ensinar, em vez de, já próximo da morte, descobrir que eu
não tinha vivido.
Como conseguir se libertar, de uma forma tão invejável como essa, de
todo excesso? A resposta está em limpar nossa cabeça de todo excesso.
Pensamento limpo significa texto limpo; um não pode existir sem o outro.
É impossível que um pensador obscuro escreva em bom vernáculo. Ele pode
conseguir sustentar o texto por um ou dois parágrafos, mas o leitor
logo se sentirá perdido, e não há pecado mais grave do que esse, pois o
leitor dificilmente se deixa enganar mais de uma vez.
Quem é o leitor, essa criatura tão esquiva? O leitor é uma pessoa que
dispõe de cerca de trinta segundos de atenção - uma pessoa assediada por
inúmeras forças que competem entre si por atenção. Houve um tempo em
que essas forças eram relativamente poucas: jornais, revistas, rádio,
esposa, filhos, animais domésticos. Hoje em dia, a elas se soma toda uma
galáxias de equipamentos eletrônicos destinados a entretenimento e
informação - a televisão, os celulares, os tablets, os iPods - , além
dos exercícios da academia de ginástica, da piscina, da quadra de
esportes e do mais poderoso de todos os concorrentes: o sono. O homem ou
a mulher que cochila em uma poltrona com um livro ou uma revista nas
mãos é uma pessoa a quem o escritor dedicou inutilmente suas
preocupações.
Isso não quer dizer que o leitor seja limitado demais ou preguiçoso
demais para acompanhar o fluxo dos pensamentos. Quando o leitor se
perde, em geral é porque o escritor não foi suficientemente cuidadoso.
Esse cuidado pode adquirir diversas formas. Talvez o texto seja tão
excessivo que o leitor, tendo de abrir caminho em meio à verborragia,
simplesmente não capte o que ele significa. Talvez a frase tenha sido
tão mal construída que o leitor pode lê-la de várias maneiras. Talvez o
autor tenha mudado de pronome no meio da frase, ou tenha mudado de tempo
verbal, e o leitor simplesmente tenha perdido a pista de quem está
falando ou de quando a ação se deu. Talvez a frase B não seja uma
sequência natural da frase A; o autor, em cuja mente a conexão está
clara, não se importou em fornecer o elo. Talvez o escritor tenha usado
uma palavra de forma incorreta, sem se preocupar em consultar o
dicionário.
Diante de tais obstáculos, os leitores são, de início, persistentes.
Recriminam-se - obviamente eles é que perderam alguma coisa, e então
voltam a ler a frase desconcertante, ou o parágrafo inteiro,
desmontando-o como uma escrita ancestral, tentando adivinhar coisas para
seguir adiante. Mas eles não conseguem fazer isso por muito tempo. O
autor, nesse caso, está fazendo com que trabalhem demais, e eles
acabarão procurando alguém que seja melhor no ofício.
Os escritores, assim, devem sempre perguntar: o que estou tentando
dizer? Surpreendentemente, muitas vezes nem mesmo eles sabem a resposta.
Nesse caso, devem rever o que escreveram e perguntar: eu disse isso?
Isso está claro para quem depara com esse tema pela primeira vez? Se não
está, é porque alguma felpa se introduziu no meio da engrenagem. O
escritor claro é uma pessoa de mente clara o bastante para enxergar a
coisa tal como ela é: uma felpa.
William Zinsser (1922-2015), escritor e professor, colaborou com as
principais publicações dos Estados Unidos e deu aulas nas universidades
Yale, Columbia e New School. Publicou, entre outros, “Writing About Your
Life” (2005) e “Easy to Remember: The Great American Songwriters and
Their Songs” (2006).
COMO ESCREVER BEM
William Zinsser
Tradução de Bernardo Ajzenberg
Editora Três Estrelas
280 páginas
Lançamento em maio
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
William Zinsser
25 Mai 2017
O ‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William
Zinsser. Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual
indica as melhores soluções para elaborar um texto claro e sem exageros
Simplicidade
O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por
palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e
jargões sem nenhum sentido.
Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano
no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma
carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais
recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um
plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus
custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para
uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa
tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto
de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de
turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações
nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é
simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…
Porém, o segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas
com seus componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função,
toda palavra longa que poderia ser substituída por uma palavra curta,
todo advérbio que contenha o mesmo significado que está contido no
verbo, toda construção em voz passiva que deixe o leitor inseguro a
respeito de quem está fazendo o quê - todos esses são elementos
adulterantes que enfraquecem uma frase. E eles costumam aparecer
proporcionalmente à formação e à posição social de quem escreve.
Nos anos 1960, o reitor da minha universidade escreveu uma carta para
tentar acalmar os ex-alunos após uma temporada de muita agitação no
campus. “Vocês estão provavelmente a par”, começou ele, “de que acabamos
de experimentar uma situação potencialmente bastante explosiva de
expressões de insatisfação sobre questões apenas parcialmente
relacionadas entre si”. Ele queria dizer que os estudantes vinham
azucrinando a direção por causa de diversas questões. Eu me senti bem
mais incomodado pelo linguajar do reitor do que pelas potencialmente
explosivas expressões de insatisfação dos estudantes. Teria preferido a
abordagem adotada pelo presidente Franklin D. Roosevelt quando tentava
traduzir comunicados de seu próprio governo, como este decreto sobre um
blecaute, de 1942:
Esses preparativos devem ser executados de modo a deixar totalmente
escuros todos e quaisquer edifícios do governo federal ou edifícios não
governamentais ocupados pelo governo federal durante um ataque aéreo,
por tempo indeterminado, retirando a visibilidade causada por iluminação
interna ou externa.
“Fale para eles”, disse Roosevelt, “que nos prédios onde for preciso
continuar trabalhando [durante um ataque aéreo] se deve então colocar
alguma coisa para tapar as janelas”.
Simplifique, simplifique. Thoreau disse isso, como se costuma relembrar
tão frequentemente, e nenhum outro autor americano praticou de forma tão
consistente aquilo que pregava. Abra qualquer página de “Walden” e você
encontrará um homem contando o que passa pela sua mente de forma clara e
ordenada:
Mudei-me para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar
apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que
ela tinha a ensinar, em vez de, já próximo da morte, descobrir que eu
não tinha vivido.
Como conseguir se libertar, de uma forma tão invejável como essa, de
todo excesso? A resposta está em limpar nossa cabeça de todo excesso.
Pensamento limpo significa texto limpo; um não pode existir sem o outro.
É impossível que um pensador obscuro escreva em bom vernáculo. Ele pode
conseguir sustentar o texto por um ou dois parágrafos, mas o leitor
logo se sentirá perdido, e não há pecado mais grave do que esse, pois o
leitor dificilmente se deixa enganar mais de uma vez.
Quem é o leitor, essa criatura tão esquiva? O leitor é uma pessoa que
dispõe de cerca de trinta segundos de atenção - uma pessoa assediada por
inúmeras forças que competem entre si por atenção. Houve um tempo em
que essas forças eram relativamente poucas: jornais, revistas, rádio,
esposa, filhos, animais domésticos. Hoje em dia, a elas se soma toda uma
galáxias de equipamentos eletrônicos destinados a entretenimento e
informação - a televisão, os celulares, os tablets, os iPods - , além
dos exercícios da academia de ginástica, da piscina, da quadra de
esportes e do mais poderoso de todos os concorrentes: o sono. O homem ou
a mulher que cochila em uma poltrona com um livro ou uma revista nas
mãos é uma pessoa a quem o escritor dedicou inutilmente suas
preocupações.
Isso não quer dizer que o leitor seja limitado demais ou preguiçoso
demais para acompanhar o fluxo dos pensamentos. Quando o leitor se
perde, em geral é porque o escritor não foi suficientemente cuidadoso.
Esse cuidado pode adquirir diversas formas. Talvez o texto seja tão
excessivo que o leitor, tendo de abrir caminho em meio à verborragia,
simplesmente não capte o que ele significa. Talvez a frase tenha sido
tão mal construída que o leitor pode lê-la de várias maneiras. Talvez o
autor tenha mudado de pronome no meio da frase, ou tenha mudado de tempo
verbal, e o leitor simplesmente tenha perdido a pista de quem está
falando ou de quando a ação se deu. Talvez a frase B não seja uma
sequência natural da frase A; o autor, em cuja mente a conexão está
clara, não se importou em fornecer o elo. Talvez o escritor tenha usado
uma palavra de forma incorreta, sem se preocupar em consultar o
dicionário.
Diante de tais obstáculos, os leitores são, de início, persistentes.
Recriminam-se - obviamente eles é que perderam alguma coisa, e então
voltam a ler a frase desconcertante, ou o parágrafo inteiro,
desmontando-o como uma escrita ancestral, tentando adivinhar coisas para
seguir adiante. Mas eles não conseguem fazer isso por muito tempo. O
autor, nesse caso, está fazendo com que trabalhem demais, e eles
acabarão procurando alguém que seja melhor no ofício.
Os escritores, assim, devem sempre perguntar: o que estou tentando
dizer? Surpreendentemente, muitas vezes nem mesmo eles sabem a resposta.
Nesse caso, devem rever o que escreveram e perguntar: eu disse isso?
Isso está claro para quem depara com esse tema pela primeira vez? Se não
está, é porque alguma felpa se introduziu no meio da engrenagem. O
escritor claro é uma pessoa de mente clara o bastante para enxergar a
coisa tal como ela é: uma felpa.
William Zinsser (1922-2015), escritor e professor, colaborou com as
principais publicações dos Estados Unidos e deu aulas nas universidades
Yale, Columbia e New School. Publicou, entre outros, “Writing About Your
Life” (2005) e “Easy to Remember: The Great American Songwriters and
Their Songs” (2006).
COMO ESCREVER BEM
William Zinsser
Tradução de Bernardo Ajzenberg
Editora Três Estrelas
280 páginas
Lançamento em maio
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
William Zinsser
25 Mai 2017
O ‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William
Zinsser. Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual
indica as melhores soluções para elaborar um texto claro e sem exageros
Simplicidade
O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por
palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e
jargões sem nenhum sentido.
Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano
no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma
carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais
recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um
plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus
custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para
uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa
tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto
de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de
turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações
nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é
simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…
Porém, o segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas
com seus componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função,
toda palavra longa que poderia ser substituída por uma palavra curta,
todo advérbio que contenha o mesmo significado que está contido no
verbo, toda construção em voz passiva que deixe o leitor inseguro a
respeito de quem está fazendo o quê - todos esses são elementos
adulterantes que enfraquecem uma frase. E eles costumam aparecer
proporcionalmente à formação e à posição social de quem escreve.
Nos anos 1960, o reitor da minha universidade escreveu uma carta para
tentar acalmar os ex-alunos após uma temporada de muita agitação no
campus. “Vocês estão provavelmente a par”, começou ele, “de que acabamos
de experimentar uma situação potencialmente bastante explosiva de
expressões de insatisfação sobre questões apenas parcialmente
relacionadas entre si”. Ele queria dizer que os estudantes vinham
azucrinando a direção por causa de diversas questões. Eu me senti bem
mais incomodado pelo linguajar do reitor do que pelas potencialmente
explosivas expressões de insatisfação dos estudantes. Teria preferido a
abordagem adotada pelo presidente Franklin D. Roosevelt quando tentava
traduzir comunicados de seu próprio governo, como este decreto sobre um
blecaute, de 1942:
Esses preparativos devem ser executados de modo a deixar totalmente
escuros todos e quaisquer edifícios do governo federal ou edifícios não
governamentais ocupados pelo governo federal durante um ataque aéreo,
por tempo indeterminado, retirando a visibilidade causada por iluminação
interna ou externa.
“Fale para eles”, disse Roosevelt, “que nos prédios onde for preciso
continuar trabalhando [durante um ataque aéreo] se deve então colocar
alguma coisa para tapar as janelas”.
Simplifique, simplifique. Thoreau disse isso, como se costuma relembrar
tão frequentemente, e nenhum outro autor americano praticou de forma tão
consistente aquilo que pregava. Abra qualquer página de “Walden” e você
encontrará um homem contando o que passa pela sua mente de forma clara e
ordenada:
Mudei-me para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar
apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que
ela tinha a ensinar, em vez de, já próximo da morte, descobrir que eu
não tinha vivido.
Como conseguir se libertar, de uma forma tão invejável como essa, de
todo excesso? A resposta está em limpar nossa cabeça de todo excesso.
Pensamento limpo significa texto limpo; um não pode existir sem o outro.
É impossível que um pensador obscuro escreva em bom vernáculo. Ele pode
conseguir sustentar o texto por um ou dois parágrafos, mas o leitor
logo se sentirá perdido, e não há pecado mais grave do que esse, pois o
leitor dificilmente se deixa enganar mais de uma vez.
Quem é o leitor, essa criatura tão esquiva? O leitor é uma pessoa que
dispõe de cerca de trinta segundos de atenção - uma pessoa assediada por
inúmeras forças que competem entre si por atenção. Houve um tempo em
que essas forças eram relativamente poucas: jornais, revistas, rádio,
esposa, filhos, animais domésticos. Hoje em dia, a elas se soma toda uma
galáxias de equipamentos eletrônicos destinados a entretenimento e
informação - a televisão, os celulares, os tablets, os iPods - , além
dos exercícios da academia de ginástica, da piscina, da quadra de
esportes e do mais poderoso de todos os concorrentes: o sono. O homem ou
a mulher que cochila em uma poltrona com um livro ou uma revista nas
mãos é uma pessoa a quem o escritor dedicou inutilmente suas
preocupações.
Isso não quer dizer que o leitor seja limitado demais ou preguiçoso
demais para acompanhar o fluxo dos pensamentos. Quando o leitor se
perde, em geral é porque o escritor não foi suficientemente cuidadoso.
Esse cuidado pode adquirir diversas formas. Talvez o texto seja tão
excessivo que o leitor, tendo de abrir caminho em meio à verborragia,
simplesmente não capte o que ele significa. Talvez a frase tenha sido
tão mal construída que o leitor pode lê-la de várias maneiras. Talvez o
autor tenha mudado de pronome no meio da frase, ou tenha mudado de tempo
verbal, e o leitor simplesmente tenha perdido a pista de quem está
falando ou de quando a ação se deu. Talvez a frase B não seja uma
sequência natural da frase A; o autor, em cuja mente a conexão está
clara, não se importou em fornecer o elo. Talvez o escritor tenha usado
uma palavra de forma incorreta, sem se preocupar em consultar o
dicionário.
Diante de tais obstáculos, os leitores são, de início, persistentes.
Recriminam-se - obviamente eles é que perderam alguma coisa, e então
voltam a ler a frase desconcertante, ou o parágrafo inteiro,
desmontando-o como uma escrita ancestral, tentando adivinhar coisas para
seguir adiante. Mas eles não conseguem fazer isso por muito tempo. O
autor, nesse caso, está fazendo com que trabalhem demais, e eles
acabarão procurando alguém que seja melhor no ofício.
Os escritores, assim, devem sempre perguntar: o que estou tentando
dizer? Surpreendentemente, muitas vezes nem mesmo eles sabem a resposta.
Nesse caso, devem rever o que escreveram e perguntar: eu disse isso?
Isso está claro para quem depara com esse tema pela primeira vez? Se não
está, é porque alguma felpa se introduziu no meio da engrenagem. O
escritor claro é uma pessoa de mente clara o bastante para enxergar a
coisa tal como ela é: uma felpa.
William Zinsser (1922-2015), escritor e professor, colaborou com as
principais publicações dos Estados Unidos e deu aulas nas universidades
Yale, Columbia e New School. Publicou, entre outros, “Writing About Your
Life” (2005) e “Easy to Remember: The Great American Songwriters and
Their Songs” (2006).
COMO ESCREVER BEM
William Zinsser
Tradução de Bernardo Ajzenberg
Editora Três Estrelas
280 páginas
Lançamento em maio
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
William Zinsser
25 Mai 2017
O ‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William
Zinsser. Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual
indica as melhores soluções para elaborar um texto claro e sem exageros
Simplicidade
O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por
palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e
jargões sem nenhum sentido.
Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano
no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma
carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais
recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um
plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus
custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para
uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa
tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto
de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de
turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações
nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é
simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…
Porém, o segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas
com seus componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função,
toda palavra longa que poderia ser substituída por uma palavra curta,
todo advérbio que contenha o mesmo significado que está contido no
verbo, toda construção em voz passiva que deixe o leitor inseguro a
respeito de quem está fazendo o quê - todos esses são elementos
adulterantes que enfraquecem uma frase. E eles costumam aparecer
proporcionalmente à formação e à posição social de quem escreve.
Nos anos 1960, o reitor da minha universidade escreveu uma carta para
tentar acalmar os ex-alunos após uma temporada de muita agitação no
campus. “Vocês estão provavelmente a par”, começou ele, “de que acabamos
de experimentar uma situação potencialmente bastante explosiva de
expressões de insatisfação sobre questões apenas parcialmente
relacionadas entre si”. Ele queria dizer que os estudantes vinham
azucrinando a direção por causa de diversas questões. Eu me senti bem
mais incomodado pelo linguajar do reitor do que pelas potencialmente
explosivas expressões de insatisfação dos estudantes. Teria preferido a
abordagem adotada pelo presidente Franklin D. Roosevelt quando tentava
traduzir comunicados de seu próprio governo, como este decreto sobre um
blecaute, de 1942:
Esses preparativos devem ser executados de modo a deixar totalmente
escuros todos e quaisquer edifícios do governo federal ou edifícios não
governamentais ocupados pelo governo federal durante um ataque aéreo,
por tempo indeterminado, retirando a visibilidade causada por iluminação
interna ou externa.
“Fale para eles”, disse Roosevelt, “que nos prédios onde for preciso
continuar trabalhando [durante um ataque aéreo] se deve então colocar
alguma coisa para tapar as janelas”.
Simplifique, simplifique. Thoreau disse isso, como se costuma relembrar
tão frequentemente, e nenhum outro autor americano praticou de forma tão
consistente aquilo que pregava. Abra qualquer página de “Walden” e você
encontrará um homem contando o que passa pela sua mente de forma clara e
ordenada:
Mudei-me para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar
apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que
ela tinha a ensinar, em vez de, já próximo da morte, descobrir que eu
não tinha vivido.
Como conseguir se libertar, de uma forma tão invejável como essa, de
todo excesso? A resposta está em limpar nossa cabeça de todo excesso.
Pensamento limpo significa texto limpo; um não pode existir sem o outro.
É impossível que um pensador obscuro escreva em bom vernáculo. Ele pode
conseguir sustentar o texto por um ou dois parágrafos, mas o leitor
logo se sentirá perdido, e não há pecado mais grave do que esse, pois o
leitor dificilmente se deixa enganar mais de uma vez.
Quem é o leitor, essa criatura tão esquiva? O leitor é uma pessoa que
dispõe de cerca de trinta segundos de atenção - uma pessoa assediada por
inúmeras forças que competem entre si por atenção. Houve um tempo em
que essas forças eram relativamente poucas: jornais, revistas, rádio,
esposa, filhos, animais domésticos. Hoje em dia, a elas se soma toda uma
galáxias de equipamentos eletrônicos destinados a entretenimento e
informação - a televisão, os celulares, os tablets, os iPods - , além
dos exercícios da academia de ginástica, da piscina, da quadra de
esportes e do mais poderoso de todos os concorrentes: o sono. O homem ou
a mulher que cochila em uma poltrona com um livro ou uma revista nas
mãos é uma pessoa a quem o escritor dedicou inutilmente suas
preocupações.
Isso não quer dizer que o leitor seja limitado demais ou preguiçoso
demais para acompanhar o fluxo dos pensamentos. Quando o leitor se
perde, em geral é porque o escritor não foi suficientemente cuidadoso.
Esse cuidado pode adquirir diversas formas. Talvez o texto seja tão
excessivo que o leitor, tendo de abrir caminho em meio à verborragia,
simplesmente não capte o que ele significa. Talvez a frase tenha sido
tão mal construída que o leitor pode lê-la de várias maneiras. Talvez o
autor tenha mudado de pronome no meio da frase, ou tenha mudado de tempo
verbal, e o leitor simplesmente tenha perdido a pista de quem está
falando ou de quando a ação se deu. Talvez a frase B não seja uma
sequência natural da frase A; o autor, em cuja mente a conexão está
clara, não se importou em fornecer o elo. Talvez o escritor tenha usado
uma palavra de forma incorreta, sem se preocupar em consultar o
dicionário.
Diante de tais obstáculos, os leitores são, de início, persistentes.
Recriminam-se - obviamente eles é que perderam alguma coisa, e então
voltam a ler a frase desconcertante, ou o parágrafo inteiro,
desmontando-o como uma escrita ancestral, tentando adivinhar coisas para
seguir adiante. Mas eles não conseguem fazer isso por muito tempo. O
autor, nesse caso, está fazendo com que trabalhem demais, e eles
acabarão procurando alguém que seja melhor no ofício.
Os escritores, assim, devem sempre perguntar: o que estou tentando
dizer? Surpreendentemente, muitas vezes nem mesmo eles sabem a resposta.
Nesse caso, devem rever o que escreveram e perguntar: eu disse isso?
Isso está claro para quem depara com esse tema pela primeira vez? Se não
está, é porque alguma felpa se introduziu no meio da engrenagem. O
escritor claro é uma pessoa de mente clara o bastante para enxergar a
coisa tal como ela é: uma felpa.
William Zinsser (1922-2015), escritor e professor, colaborou com as
principais publicações dos Estados Unidos e deu aulas nas universidades
Yale, Columbia e New School. Publicou, entre outros, “Writing About Your
Life” (2005) e “Easy to Remember: The Great American Songwriters and
Their Songs” (2006).
COMO ESCREVER BEM
William Zinsser
Tradução de Bernardo Ajzenberg
Editora Três Estrelas
280 páginas
Lançamento em maio
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
William Zinsser
25 Mai 2017
O ‘Nexo’ publica trecho do livro do jornalista americano William
Zinsser. Com tradução inédita do escritor Bernardo Ajzenberg, o manual
indica as melhores soluções para elaborar um texto claro e sem exageros
Simplicidade
O excesso é o mal da escrita americana. Somos uma sociedade sufocada por
palavras desnecessárias, construções circulares, afetações pomposas e
jargões sem nenhum sentido.
Quem consegue entender o linguajar cifrado usado pelo comércio americano
no dia a dia, ou seja, um memorando, um relatório empresarial, uma
carta de negócios, um comunicado de banco que explique o seu mais
recente e “simplificado” balanço? Qual usuário de um seguro ou de um
plano de saúde consegue decifrar o livreto que explica todos os seus
custos e benefícios? Que pai ou mãe consegue montar um brinquedo para
uma criança com base nas instruções que vêm junto com a embalagem? Nossa
tendência é inflar tudo e, assim, tentar parecer importante. O piloto
de avião que anuncia que em alguns minutos atravessaremos uma área de
turbulência por causa das nuvens carregadas e possíveis precipitações
nem sequer pensa em dizer simplesmente que poderá chover. Se a frase é
simples demais, deve haver alguma coisa errada nela…
Porém, o segredo da boa escrita é despir cada frase até deixá-la apenas
com seus componentes essenciais. Toda palavra que não tenha uma função,
toda palavra longa que poderia ser substituída por uma palavra curta,
todo advérbio que contenha o mesmo significado que está contido no
verbo, toda construção em voz passiva que deixe o leitor inseguro a
respeito de quem está fazendo o quê - todos esses são elementos
adulterantes que enfraquecem uma frase. E eles costumam aparecer
proporcionalmente à formação e à posição social de quem escreve.
Nos anos 1960, o reitor da minha universidade escreveu uma carta para
tentar acalmar os ex-alunos após uma temporada de muita agitação no
campus. “Vocês estão provavelmente a par”, começou ele, “de que acabamos
de experimentar uma situação potencialmente bastante explosiva de
expressões de insatisfação sobre questões apenas parcialmente
relacionadas entre si”. Ele queria dizer que os estudantes vinham
azucrinando a direção por causa de diversas questões. Eu me senti bem
mais incomodado pelo linguajar do reitor do que pelas potencialmente
explosivas expressões de insatisfação dos estudantes. Teria preferido a
abordagem adotada pelo presidente Franklin D. Roosevelt quando tentava
traduzir comunicados de seu próprio governo, como este decreto sobre um
blecaute, de 1942:
Esses preparativos devem ser executados de modo a deixar totalmente
escuros todos e quaisquer edifícios do governo federal ou edifícios não
governamentais ocupados pelo governo federal durante um ataque aéreo,
por tempo indeterminado, retirando a visibilidade causada por iluminação
interna ou externa.
“Fale para eles”, disse Roosevelt, “que nos prédios onde for preciso
continuar trabalhando [durante um ataque aéreo] se deve então colocar
alguma coisa para tapar as janelas”.
Simplifique, simplifique. Thoreau disse isso, como se costuma relembrar
tão frequentemente, e nenhum outro autor americano praticou de forma tão
consistente aquilo que pregava. Abra qualquer página de “Walden” e você
encontrará um homem contando o que passa pela sua mente de forma clara e
ordenada:
Mudei-me para o bosque porque queria viver deliberadamente, enfrentar
apenas os fatos essenciais da vida e ver se não poderia aprender o que
ela tinha a ensinar, em vez de, já próximo da morte, descobrir que eu
não tinha vivido.
Como conseguir se libertar, de uma forma tão invejável como essa, de
todo excesso? A resposta está em limpar nossa cabeça de todo excesso.
Pensamento limpo significa texto limpo; um não pode existir sem o outro.
É impossível que um pensador obscuro escreva em bom vernáculo. Ele pode
conseguir sustentar o texto por um ou dois parágrafos, mas o leitor
logo se sentirá perdido, e não há pecado mais grave do que esse, pois o
leitor dificilmente se deixa enganar mais de uma vez.
Quem é o leitor, essa criatura tão esquiva? O leitor é uma pessoa que
dispõe de cerca de trinta segundos de atenção - uma pessoa assediada por
inúmeras forças que competem entre si por atenção. Houve um tempo em
que essas forças eram relativamente poucas: jornais, revistas, rádio,
esposa, filhos, animais domésticos. Hoje em dia, a elas se soma toda uma
galáxias de equipamentos eletrônicos destinados a entretenimento e
informação - a televisão, os celulares, os tablets, os iPods - , além
dos exercícios da academia de ginástica, da piscina, da quadra de
esportes e do mais poderoso de todos os concorrentes: o sono. O homem ou
a mulher que cochila em uma poltrona com um livro ou uma revista nas
mãos é uma pessoa a quem o escritor dedicou inutilmente suas
preocupações.
Isso não quer dizer que o leitor seja limitado demais ou preguiçoso
demais para acompanhar o fluxo dos pensamentos. Quando o leitor se
perde, em geral é porque o escritor não foi suficientemente cuidadoso.
Esse cuidado pode adquirir diversas formas. Talvez o texto seja tão
excessivo que o leitor, tendo de abrir caminho em meio à verborragia,
simplesmente não capte o que ele significa. Talvez a frase tenha sido
tão mal construída que o leitor pode lê-la de várias maneiras. Talvez o
autor tenha mudado de pronome no meio da frase, ou tenha mudado de tempo
verbal, e o leitor simplesmente tenha perdido a pista de quem está
falando ou de quando a ação se deu. Talvez a frase B não seja uma
sequência natural da frase A; o autor, em cuja mente a conexão está
clara, não se importou em fornecer o elo. Talvez o escritor tenha usado
uma palavra de forma incorreta, sem se preocupar em consultar o
dicionário.
Diante de tais obstáculos, os leitores são, de início, persistentes.
Recriminam-se - obviamente eles é que perderam alguma coisa, e então
voltam a ler a frase desconcertante, ou o parágrafo inteiro,
desmontando-o como uma escrita ancestral, tentando adivinhar coisas para
seguir adiante. Mas eles não conseguem fazer isso por muito tempo. O
autor, nesse caso, está fazendo com que trabalhem demais, e eles
acabarão procurando alguém que seja melhor no ofício.
Os escritores, assim, devem sempre perguntar: o que estou tentando
dizer? Surpreendentemente, muitas vezes nem mesmo eles sabem a resposta.
Nesse caso, devem rever o que escreveram e perguntar: eu disse isso?
Isso está claro para quem depara com esse tema pela primeira vez? Se não
está, é porque alguma felpa se introduziu no meio da engrenagem. O
escritor claro é uma pessoa de mente clara o bastante para enxergar a
coisa tal como ela é: uma felpa.
William Zinsser (1922-2015), escritor e professor, colaborou com as
principais publicações dos Estados Unidos e deu aulas nas universidades
Yale, Columbia e New School. Publicou, entre outros, “Writing About Your
Life” (2005) e “Easy to Remember: The Great American Songwriters and
Their Songs” (2006).
COMO ESCREVER BEM
William Zinsser
Tradução de Bernardo Ajzenberg
Editora Três Estrelas
280 páginas
Lançamento em maio
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/estante/trechos/2017/05/25/%E2%80%98Como-escrever-bem%E2%80%99-manual-de-escrita-jornal%C3%ADstica-e-de-n%C3%A3o-fic%C3%A7%C3%A3o
© 2017 | Todos os direitos deste material são reservados ao NEXO JORNAL LTDA., conforme a Lei nº 9.610/98. A sua publicação, redistribuição, transmissão e reescrita sem autorização prévia é proibida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário