sexta-feira, 14 de julho de 2017

Leandro Karnal - Professor como referência


Fonte: Blog do Maffei

http://radiomaffei.blogspot.com.br/2017/06/leandro-karnal-coloca-o-professor-como.html 

sábado, 10 de junho de 2017

LEANDRO KARNAL COLOCA O PROFESSOR COMO UMA REFERÊNCIA PARA OS ALUNOS


 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ERRO 3: DECIFRA-ME OU TE DEVORO
            Ao contrário dos dois anteriores, este não é um erro específico, mas algo diluído em muitas atitudes. O professor é uma autoridade em muitos sentidos. Para alguns de nossos alunos provavelmente, somos os adultos com quem eles mais convivem. Percebo que há poucos lares onde os filhos e pais conversam com frequência. Logo, por mais indiferente que um jovem seja com a escola, somos uma referência.
            Por que destaco isso? O rosto do professor e sua linguagem corporal indireta são mais observados pelos alunos do que a fala em si. Exemplo de erro que eu já cometi muitas vezes. Ao fazer a chamada no primeiro dia, deparo-me com um daqueles nomes, digamos, exóticos. Os pais combinam sílabas de outros nomes ou grafam de um jeito original. Muitas vezes, fui ler um nome desses em sala, fiz uma careta e exclamei algo como: “Nossa!” Era uma sincera estranheza diante do inusitado. Mas esse inusitado era o nome de alguém, sendo lido alto por mim diante de quarenta colegas. Momento delicadíssimo. Só minha careta já era uma condenação absoluta. Fui, aos poucos, aprendendo que ler o nome de alguém, pela primeira vez, é um ato delicado. Passei a pedir antes que me corrigissem. Falo agora que o problema sou eu, que enxergo mal. Tento diminuir esse possível impacto negativo, especialmente se for o primeiro. Se a aluna anuncia que o nome dela é proparoxítono (bem, ela não dirá assim), coloco acento a lápis no diário.

           
 
 
 
 Exemplo menor: tive um aluno italiano. Ele se chamava Michelle, nome que deve ser pronunciado com som de K no Ch e é masculino como Andrea na Itália. Ele me corrigiu o erro de pronunciar como no Brasil, Michelle com som de X no Ch. Eu, que não falo italiano, quando ele me corrigiu, fiz cara de estranhamento e disse: “Você tem certeza de que é nome de homem?” Bem, a turma, é claro, caiu em cima dele. De novo, o narcisismo. Eu, simplesmente, deveria agradecer a correção e reconhecer que eu tinha uma limitação: não sabia (e não sei) falar italiano. Minha intenção não era ironizá-lo (ao contrário da primeira história), mas foi o que eu consegui.
            Essas cenas são abundantes. Tenho um defeito grave para que dá aula: sou impaciente. Acho que tudo, do trânsito à fala das pessoas, é muito lento e enrolado. Um aluno começa a fazer a pergunta: “eu queria perguntar, não sei se está certo, mas eu queria saber, hum... hã...” Não recrimino nem deixo de responder a nenhuma pergunta. Mas meu rosto me trai. Meus olhos fuzilam. Minha respiração muda. Fico querendo que aquela fala enrolada termine logo e ele faça a pergunta clara e objetiva.
            O tempo da pergunta é dado pelo perguntador. Se for longa demais ou com coisas demais, posso e devo me oferecer para responder após a aula ou em outra ocasião para não atrapalhar o andamento. Sempre com um sorriso. O que eu imagino que seja enrolação, é um processo que pode ser duplo: meu aluno está elaborando mentalmente o caminho da dúvida e está enfrentando o som da sua voz em público, sob o olhar fuzilante de toda a classe. De alguma forma, certas vezes, ao lançar meu olhar de desespero com a lentidão dele, eu fico ao lado da sala no seu julgamento e reforço, sem nada dizer, que aquele indivíduo é lento ou atrapalhado.
 

            
 
 
 
 
             É uma estratégia de sociabilidade perversa que a maioria dos grupos tem. Para formar coesão grupal ou conseguir o apoio do grupo, elejo os alvos da minha ironia e do meu veneno. Quando um colega ataca outro de comportamento alternativo ou com uma estética que foge ao padrão usual, está tentando, via maldade, ser aceito pelos demais. Meu olhar de professor, querendo ou não, pode ajudar muito a dissolver essa maldade que abunda em tantos grupos sociais e na sala de aula, ou pode reforçar com comentários, gestos ou olhares.
            Sim, ser um bom professor significa até tentar controlar seu olhar ou outros indicativos de desagrado não verbais. E se eu não conseguir? Bem: aprendi que quando erramos por pensamentos, palavras, atos ou omissões, e ferimos um aluno de forma culposa ou dolosa, só tem um jeito: pedir desculpas sinceras, conversar com esse aluno e indicar que você luta, mas que é humano também. Faz parte da dinâmica das relações humanas. Mas se você foi o responsável pela sujeira, limpe você mesmo e siga adiante com mais cuidado naquele ponto. Pelo menos tente não errar da mesma forma no mesmo lugar e com a mesma pessoa. Isso já é um passo no caminho da maturidade.

LEANDRO KARNAL (Conversas com um Jovem Professor, Editora Contexto, 2012, pp.35-38)

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