sexta-feira, 14 de julho de 2017

Leandro karnal - Primeiras aulas

Fonte: Blog do Maffei

http://radiomaffei.blogspot.com.br/2017/06/leandro-karnal-continua-contar-suas.html 

quarta-feira, 28 de junho de 2017

 LEANDRO KARNAL CONTINUA A CONTAR SUAS PRIMEIRAS EXPERIÊNCIAS DE PROFESSOR INICIANTE.


 
 
 
 
 
 
 
 
A AULA - 2 - INTRODUÇÃO AO JOGO E SUAS REGRAS
(Leandro Karnal – Conversas com um Jovem Professor, pp. 16 - 18)
         Passados quase 30 anos do primeiro momento que dei aula na vida, o impacto de entrar numa nova sala, com alunos novos, no primeiro dia de aula ainda me dá medo. Não é mais o medo de antes. Comecei a dar aulas no ensino fundamental e médio antes de me formar. Eu tinha pavor que meus alunos descobrissem que eu ainda não tinha diploma. Um pouco mais tarde, aos 23 anos, comecei a dar aulas na universidade e me vestia de forma a parecer mais velho. Eu tinha um dos medos mais ancestrais de um professor: perder o controle de uma turma. Definitivamente, o medo de parecer jovem demais desapareceu e foi quase substituído pelo receio oposto. Aqueles medos sumiram. Mas o friozinho na barriga continua. Continua o incômodo de não saber os nomes no começo. Estabelecer uma relação semanal com 30, 40, 50 jovens pensando neles apenas como: o de vermelho, a menina de saia, o cabeludo (ou coisas até um pouco pejorativas...) Pior: se eu tiver 10 turmas de 50 (número comum), terei 500 seres humanos para saber o nome a cada ano, e ainda devo considerar que novos entram como se fosse uma cistite permanente pingando no meu diário.


         
 
 
 
 
 
 
 
 
 
          Aqui, nossa função tem vantagens sobre outras. Uma primeira aula ruim tem efeitos menos visíveis do que uma primeira cirurgia ruim ou uma primeira ponte mal projetada. Porém, o sutil da função de professor é que a primeira cirurgia ruim ou pontes ruins podem ter relação com... aulas ruins. Quando pego um aluno em pleno doutorado que ainda não domina regras básicas do uso da crase, penso: há uns 10 ou 15 anos um professor errou e eu noto isso só agora.
         Regressemos para a aula. Vamos imaginar uma aula típica, de 40 a 50 minutos. Você entra e aquela dúvida volta: devo ser simpático ou seco? Sorrir ou mostrar a cara de autoridade séria? Meu irmão psicólogo usa uma metáfora que aprecio: a relação profissional guarda semelhanças com o salva-vidas. Se ele se aproxima muito do afogado e o abraça fraternalmente, ambos afundam. Se ele fica muito distante, a vítima cumpre sua sina de afogar-se sem ajuda. É inútil fingir uma dureza que você não tem ou que nem quer ter. É perigoso usar de muita intimidade. A aula é um momento profissional e você não é amigo dos alunos. Amizade implica isonomia, igualdade, algo inexistente na sala de aula. Pelo mesmo motivo que você não é amigo, você não é inimigo, pois amizade e intimidade implicam relações pessoais, frequentemente íntimas. Repita para si sempre: sou o professor (porque, em muitas ocasiões, alunos, direção e pais tentarão convencê-lo de outras coisas).


        
 
 
 
 
 
 
 
 
 Já demos o primeiro passo. No início, talvez seja importante pensar nesse equilíbrio entre a familiaridade e a distância. Com o tempo, isso deveria tornar-se mais natural. Há variantes também de cultura para cultura e de escola para escola. É fácil ser próximo quando o aluno é adulto numa universidade e escolheu aquele curso.
         Mas... devo ser sincero. Não é fácil começar. É como aprender a andar de bicicleta: há um momento que tiram as rodinhas auxiliares ou a pessoa que nos apoiava desaparece e estamos sozinhos. É o medo do goleiro na hora do pênalti. É o medo de todo profissional: estou diante do que quero, mas não tenho certeza de como fazer o que quero. Ansiedade natural e universal, mas intensa.

         Chegou o dia: a aula começou e seus alunos sabem por instinto, como feras selvagens, se a pessoa a sua frente está segura ou não, farão uso disso. Distancie-se um pouco e deixe diminuir a importância da situação. Aquela aula não decidirá o destino do universo e, com sorte, a cada semana ela será um pouco melhor ou mais segura ao menos. Enfrente. Não tem jeito. A vítima inicial será seu orgulho, mas o mundo prosseguirá. Respire fundo e entre. É como injeção: a espera pela picada da agulha costuma causar mais angústia do que a espetada em si.


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