sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Diferença linguístia e preconceito.

É muito comum a fala das crianças estar carregada de informalidade e representar os hábitos e costumes familiares, para expressar situações cotidianas.
Abaixo temos um texto que alerta a forma de abordagem para condução à norma culta, pelos professores e a não desvalorização do já sabido e utilizado pela família.
Incentive o respeito às diferenças linguísticas.
Boa leitura!

Magda Cunha  

Fonte: Nova Escola / Neurilene Martins

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É preciso combater o preconceito linguístico na escola

| Neurilene Martins

Crédito: Shutterstock
“Sou filha de empregada doméstica e cresci ouvindo minha mãe, que tinha baixa escolaridade, falar. Quando ingressei na escola, estranhei a forma como as pessoas falavam. Era muito diferente da minha. Então, procurava ficar quieta, pois tinha medo de ser corrigida pela professora”. Essa é uma narrativa de uma estudante do curso de Pedagogia que me fez refletir sobre o preconceito linguístico dentro da escola, sobre o sofrimento e exclusão das crianças quando submetidas à avaliação equivocada da linguagem “certa” e a “errada”.
“Quem fala errado não sabe nada”. Com base nesse mito tão bem discutido por Marcos Bagno, no livro Preconceito Linguístico, a mãe que fala “mode que” em lugar de “por causa de” tem tratamento diferenciado na escola. A criança que diz “nós vai” é muitas vezes corrigida, em alto e bom som.
Precisamos superar práticas pedagógicas que, muitas vezes, amordaçam os alunos e ridicularizam suas linguagens, em um apagamento intencional de suas heranças biográficas. No livro Pequenas Memórias, o escritor José Saramago (1922-2010) escreve sobre o seu avô e eterniza uma cena belíssima, que pode servir de inspiração para aprendermos a incluir, de verdade, as famílias na escola. Acompanhe comigo:
“Cai a chuva, o vento desmancha as árvores desfolhadas, e dos tempos passados vem uma imagem, a de um homem alto e magro, velho, agora que está mais perto, por um carreiro alagado. Traz um cajado ao ombro, um capote enlameado e antigo, e por ele escorrem todas as águas do céu [...]. O homem que assim se aproxima, vago entre as cordas de chuva, é o meu avô. Vem cansado o velho. Arrasta consigo setenta anos de vida difícil, de privações, de ignorância. E, no entanto, é um homem sábio, calado, que só abre a boca para dizer o indispensável. É um homem como tantos outros nesta terra, neste mundo, talvez um Einstein esmagado sob uma montanha de impossíveis, um filósofo, um grande escritor analfabeto. Alguma coisa seria que não pode ser nunca.”
Diferentemente dessa visão de Saramago, muitos educadores acham que as famílias com baixa escolarização têm pouca condição de interagir e serem parceiras no processo educativo. Na contramão desse pensamento, dois casos do estudo Histórias cruzadas de professores me vêm à cabeça. A professora Janete Emília Dourado Santos compartilha com os familiares, – escolarizados ou não, nas comunidades rurais, a tarefa de apreciar as produções textuais das crianças. Mas e aqueles responsáveis que não sabem ler? Eles escutam a leitura feita pelo aluno e dão o seu parecer: o texto está bom? Em que pode melhorar? Já a professora Cleide Passos, reflete sobre essa questão ao afirmar que muitas crianças, a partir de intervenções preconceituosas dos docentes, passam a corrigir seus avós e dizer que eles não sabem falar, reproduzindo, em casa, o preconceito linguístico.
Em vez de ser colocada como fala ilegítima, a linguagem das crianças precisa ser abordada do ponto de vista das identidades familiares e os pertencimentos geográficos, etários e sociais. Nesse sentido, é fundamental respeitá-las e ampliar a competência comunicativa de nossos alunos. Para isso, podemos proporcionar encontros prazerosos e significativos entre eles e a linguagem formal, por meio da literatura.
A leitura pelo professor na sala de aula de contos clássicos, mitos, lendas e poemas pode ser usada como estratégia. Histórias como Menina Bonita de Laço de Fita, da escritora Ana Maria Machado; O Reizinho Mandão, de Ruth Rocha; O Mistério do Coelho Pensante, de Clarice Lispector e Os Contos Africanos de Adivinhação, de Ricardo Azevedo, são algumas sugestões que dão água na boca da garotada pela linda composição de linguagem e enredos.
As atividades de reconto, em que os estudantes assumem o protagonismo na apresentação oral das narrativas literárias, são situações didáticas exemplares para esse contato sistemático com as especificidades da escrita. Afinal, eles precisam aprender que a linguagem escrita é diferente da oral para, aos poucos, passar a incorporar novos repertórios linguísticos em suas práticas sociais de leitura, escrita e comunicação oral.
E sua escola, tem conseguido respeitar as variações linguísticas das falas dos alunos ao mesmo tempo em que colabora para a apropriação da linguagem formal? Conte o que vocês têm feito e ajude a combater o preconceito linguístico!
Um abraço e até a próxima semana,
Neury

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