RELATO DE EXPERIÊNCIAS
foto meramente ilustrativa
continuação da monografia ...
Em 1994 iniciei minha trajetória como professora. São dez anos e cada vez mais aprecio a prática pedagógica e inúmeras aprendizagens que adquiro continuamente.
A escola pública foi meu primeiro local de trabalho, com a turma do ensino fundamental, 1º ciclo, na época ciclo básico iniciante “cbi”.
Minha turma tinha quarenta e três alunos, sendo que sessenta por cento estavam na idade regular de ingresso no ensino fundamental e os demais eram repetentes e crianças que foram retiradas das ruas pelo projeto, do então prefeito, Mario Covas “Nenhuma criança fora da escola”.
Trabalhar com essa diversidade me fez perceber que o significado da aprendizagem era diferente para algumas dessas crianças.
Observei que eram vários os centros de interesse, hábitos e expectativas que tinham em relação a escola e que precisava envolver a todos, respeitando suas diferenças.
O primeiro objetivo foi conhecê-los, ouvir suas histórias, integrar a turma, criando um vínculo afetivo entre todos. Logo perceberam que todos eram interessantes e tinham bastante para ensinar aos demais.
Para facilitar que enxergassem e ouvissem melhor o relato dos amigos organizei as carteiras em um grande círculo. Essa proposta foi adotada nos dias seguintes e tornou-se uma rotina durante nossas aulas.
Elaboramos um conjunto de regras para nossa turma conviver bem e confeccionamos um grande cartaz fixado posteriormente num canto da lousa.
Através dos assuntos elegemos alguns temas de estudo e principiamos os conteúdos de maneira combinada, isto é, interdisciplinarmente.
Era época das olimpíadas, então aproveitamos para realizar as competições na aula de educação física, os enfeites na aula de artes, as localizações geográficas no mapa mundi e curiosidades de cada nação em história e ciências.
Foi um trabalho árduo, pois precisaram aprender a trabalhar cooperativamente, ouvir a opinião dos colegas, dar sua opinião e chegar a um único “veredicto”.
Esse exercício rendeu inúmeras confusões e também por vezes desânimo, nessas horas intervinha e mediava a situação para continuidade da atividade.
Aos poucos aprenderam os códigos de conduta e as atividades ficaram prazerosas, não queriam descer para o lanche ou arrumar-se para a hora da saída. Chegavam lamentar o pouco tempo em que ficavam na escola.
Ouvia a todos e explicava sobre as regras escolares e a importância de cada turma cumpri-las. Entretanto concordava em sigilo que o período escolar integral daria margem para realização de excelentes trabalhos.
Cheguei ao final do semestre com um índice de alfabetização animador, alguns liam e escreviam, outros formavam hipóteses próximas e os demais continuavam apresentando progressos.
Meu contrato como professora ACT (contratada) venceu em setembro e entreguei a classe para professora titular, que retornava da licença saúde.
Refletindo minha prática com essa turma, analisei as críticas de outras professoras que achavam minhas aulas barulhentas e pouco produtivas. Sempre acreditei que a aprendizagem promove uma turbulência interna, empolgação e alegria que se expressa “por todos os poros”, impossível portanto de acontecer em carteiras enfileiradas, bocas caladas e corpos inertes.
Continuei lecionando em outras turmas na escola pública e particular, cada vez mais constatando a necessidade de ouvir aos alunos, planejar e executar os conteúdos partindo do perfil da turma.
Ao respeitar as experiências anteriores, valorizar seus conhecimentos, tornar os conteúdos significativos participei de suas transformações enquanto me auto-transformava.
O envolvimento e comprometimento dos alunos continua sendo o combustível para minha s reflexões e replanejameno contínuo da prática educativa.
Em 2000/01 tive a oportunidade de ser voluntária em uma ONG (organização não governamental), cujo trabalho social é abrigar e prover tudo que for necessário para portadores de doenças graves, bem como seu acompanhante.
Essas pessoas são oriundas de diversos estados brasileiros e países da América Latina, permanecendo na instituição pelo tempo necessário para sua reabilitação.
Um dos projetos da ONG era viabilizar a aprendizagem àquelas crianças excluídas do ambiente escolar, devido seu estado de saúde e distância do local de origem.
A experiência de convivência dessas famílias já era um fator estressante, por que dividiam ambientes comuns (estrutura da casa) e diversas doenças, com alta rotatividade de pacientes, não permitindo estabelecer vínculos permanentes.
Assim o trabalho também foi estendido às famílias, buscando entender qual expectativa escolar tinham para seus filhos naquele dado instante.
Quando principiei o trabalho na ONG, reportei-me ao início de minha carreira em 1994 e vi o quanto aquela experiência me propiciara segurança para trabalhar com essa diversidade.
Todavia previ que o diferencial da saúde, os deixaria apáticos, desmotivados e pouco envolvidos.
Conhecer cada criança e planejar individualmente suas atividades foi o procedimento no período de adaptação. Posteriormente para tornar o trabalho cooperativo e promover a troca de experiências elegemos alguns temas de interesse geral, como filmes, notícias atuais, esportes e até suas condições de saúde.
O tempo de permanência dos “alunos-pacientes”, na ONG, variava de acordo com a intensidade do tratamento, bem como sua freqüência nas aulas.
Ao retornarem para as escolas de origem, cada qual levava o conteúdo trabalhado e relatório de freqüência nas aulas.
A coragem e determinação desses alunos me fez perceber o quanto é necessário a escolarização das pessoas portadoras de necessidades especiais para dignificar sua existência.
O estado de saúde não lhes mata a curiosidade, criatividade, inventividade e envolvimento para superar desafios e construir aprendizagens.
Durante esse convívio ficou nítido como a inserção social restaura a auto-estima, que a aprendizagem recoloca o aluno no eixo de membro ativo da comunidade e por conseguinte o valoriza
A felicidade e empolgação com que participavam das atividades me davam força para superar o sofrimento partilhado com aquelas famílias e mediar dignamente suas aprendizagens.
Atualmente sou professora de Educação Infantil, minha turma tem sete alunos com idades entre cinco e seis anos.
Realizo um trabalho de formação de opinião através da filosofia para criança e procuro mediar situações para que sejam autores do seu pensar.
Essa fase é extremamente lúdica e prazerosa de trabalhar, porém a massificação já está presente e o padrão social vigente em nossa cultura transparece a todo instante.
A preferência pela pele branca, olhos claros, cabelos lisos, corpo esbelto, roupas de grife, brinquedos eletrônicos, passeios a parques de diversão e lanchonetes da moda, desenhos de canais pagos e lançamento de filmes, denotam regra para suas interações.
Procuram disputar o tempo para realização das tarefas e sentem necessidade de ser pontuados, classificados em suas produções.
Preferem formar grupo com os amigos mais populares e excluem os indesejados ou menos atraentes.
Analisando o comportamento desses pequenos identifiquei a sociedade miniaturizada e seus valores. Eles são os frutos da mídia, da intolerância e competitividade. Portanto é nesse momento que a inclusão precisa ser constituída, firmar raízes para desabrochar num futuro próximo.
Meu planejamento foi envolvido por essa proposta e busquei alternativas para semear nesses pequenos cidadãos uma sociedade que respeite as diferenças individuais, que faça escolhas ao invés de somente copiar, imitar, reproduzir a idéia de outros.
O currículo da Educação Infantil é muito rico e dá oportunidade para uma vasta possibilidade de trabalhos.
Escolhi trabalhar com a identidade dos seres humanos, o que os diferencia ou assemelha em sua constituição física e hábitos culturais.
Observei que o aniversário de quatrocentos e vinte e cinco anos de São Paulo era um assunto rico para explorarmos as nacionalidades que compuseram a formação da cidade, em sua diversidade e pluralidade.
Apresentei as atividades como sendo uma viagem pelo mundo, onde iriam conhecer diferentes culturas, hábitos e teriam muitas novidades.
Trabalhamos a localização geográfica, pontos turísticos, lendas, alimentos, vestes, músicas, danças típicas e grandes personalidades.
Confeccionamos instrumentos musicais, moradias, vestes, dançamos e preparamos um prato típico de cada nação.
Para tecer uma cultura com a outra procurávamos suas contribuições em nossos hábitos e tradições, nas lendas, vestes, artesanatos, culinária, língua falada e escrita.
Pesquisei autores que na literatura infantil abordassem a inclusão e adotei os autores Ziraldo, Rubem Alves e Regina Reno para leitura e interpretação de texto.
Aprendi muito com essas atividades, observei que somente oportunizando o conhecimento de diferentes culturas, abrimos uma gama de novas formas de viver, de pensar, de criar e modificar a prática.
Finalizo esse relato certa de que a inclusão é cada vez mais necessária na prática educativa, que a escola é o canal preponderante para mudança de concepções e formação de novos conceitos.